quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Como erguer uma empresa cocriadora
Venkat Ramaswamy e Francis Gouillart

Dê mais voz a todos os stakeholders da empresa — e receba em troca mais conhecimento, mais receita e mais lucro.

Praticamente toda empresa se preocupa com a experiência do cliente com seus produtos e serviços. Mas quantas ligam para a experiência dos demais envolvidos — trabalhadores, fornecedores, distribuidores, ONGs, reguladores —, que direta ou indiretamente influem na experiência do cliente? Quantas se importam de verdade?

É verdade que, ao longo dos anos, muitas se esforçaram para forjar uma relação mais verdadeira com stakeholders e envolvê-los mais a fundo na solução de problemas. Vimos a gestão participativa ao estilo japonês, “parcerias” com fornecedores, círculos de qualidade, produção enxuta, Six Sigma. E a última moda, obviamente, é pedir que todos sugiram ideias e deem sua opinião em sites da empresa e mídias sociais como Facebook.



O fato é que a experiência da maioria dos stakeholders ainda recebe pouca atenção. Isso porque esse público não tem muita voz na concepção da experiência. Mas as pessoas são inerentemente criativas e querem dialogar com a organização; não querem que produtos e processos lhes sejam impostos. Graças a tecnologias interativas, hoje esperam ser capazes de se comunicar diretamente umas com as outras e compartilhar e moldar a própria experiência. Na maioria das empresas, contudo, a gerência está defasada: segue aferrada à hierarquia e ao controle da definição e da criação da experiência de stakeholders.

Mas certas empresas começam a despertar. A mudança teve início no final da década de 1990, quando um punhado de pioneiras passou a permitir que o cliente participasse do desenvolvimento de produtos. A Lego, por exemplo, deixou o consumidor inventar robôs e modelos de construção com suas peças, criar aplicativos para os robozinhos e oferecer isso tudo a outros usuários no site da empresa. C.K. Prahalad e um dos autores deste artigo (Venkat Ramaswamy) cunharam o termo cocriação para descrever a nova relação entre cliente e empresa. Na última década, dezenas de outras empresas — Cisco, Dell, Procter & Gamble, Sony, Starbucks, Unilever — abraçaram “a cocriação pelo cliente” e descobriram algo crucial: para criar uma experiência nova para o cliente final em geral é preciso projetar uma experiência melhor para atores internos, fato frequentemente negligenciado na análise convencional de processos.

Um projeto do qual participamos — o lançamento, por um grande banco europeu, de um seguro de vida de baixo custo com uma conta de investimento — é um bom exemplo. À época, a divisão de seguro de vida do banco enfrentava séria concorrência de uma rival relativamente nova na área, o grupo holandês ING. Ao oferecer seus seguros via internet, o ING derrubara custos de distribuição e colocara rivais convencionais como o banco em considerável desvantagem.

No desenho clássico de processos, o problema teria sido abordado com a seguinte pergunta: “Como reformular as etapas do desenvolvimento e do lançamento de produtos para minimizar custo e prazos de lançamento e, ao mesmo tempo, atender às exigências do cliente?”. A equipe teria entrevistado um punhado de clientes para entender suas necessidades básicas, analisado processos vigentes de desenvolvimento e lançamento de produtos, tentado reduzir o número de etapas e pontos de transferência (handoffs) e chegado a um processo mais eficiente e enxuto. Ninguém teria pensado na experiência geral do pessoal do banco. Já a experiência do cliente teria sido definida como um conjunto mínimo de recursos, como preço competitivo, analistas capacitados para ajudar o cliente a fazer a escolha certa e um folheto completo e fácil de decifrar sobre o produto.

A cocriação produziu uma resposta muito diferente, pois usou outro ponto de partida. Começou por examinar a experiência de todos aqueles que estariam envolvidos na novidade ou seriam afetados por ela. O banco fez uma série de workshops nos quais sete categorias de funcionários — gerentes de seguros, atuários, pessoal de TI, especialistas em seguros da matriz, gerentes de agências e consultores de agências (de dois níveis: sênior e júnior) — se reuniram primeiro entre si e, depois, com a clientela visada para discutir sua experiência com produtos lançados no passado. Nessas conversas, o banco descobriu que a resposta a seu problema residia na experiência dos consultores juniores.

Até ali, o pessoal júnior fora limitado a tarefas básicas de atendimento na agência (abrir contas correntes, entregar folhetos). A maioria tinha de 25 a 35 anos e se sentia num posto sem perspectivas; com poucos meses na função, muitos pediriam demissão. Para subir no banco, era preciso conhecer muito bem a carteira de produtos de investimento. Só que os gerentes de agência e a ala sênior de consultores tinham declarado reiteradamente que o pessoal júnior não era qualificado para lidar com algo que embutisse riscos. O pessoal júnior viu o novo produto de seguro de vida como oportunidade para mudar sua situação: para aprender a lidar com produtos complexos de investimento e impulsionar a carreira.

Numa iniciativa de reengenharia ou Six Sigma, ninguém jamais incluiria o desejo de subir dos consultores juniores como fator na concepção da experiência. Mas uma premissa da cocriação é que, ao trocar experiências, todas as partes envolvidas passarão a ter uma compreensão mais profunda daquilo que acontece do outro lado de uma interação — e, com isso, poderão conceber uma experiência nova e melhor para ambos os lados.

Nos workshops, ficou claro que o pessoal júnior e a clientela visada tinham muito em comum: o produto era voltado a gente que não tinha um grande patrimônio nem experiência em investir e estava mais ou menos na mesma faixa etária dos funcionários. Assim como um consultor júnior, esse cliente queria melhorar seu know-how financeiro, mas se sentia intimidado por teorias de investimento e pela linguagem do risco e retorno. Também tinha medo de perder o capital. Ficou evidente que o pessoal júnior de consultoria e os clientes poderiam aprender juntos o básico do investimento, com a ajuda de consultores seniores e especialistas em investimento da matriz.

Os dois grupos — o de consultores juniores e o de clientes visados — decidiram fazer um teste. Em sessões informais nas agências, à noite ou nos fins de semana, especialistas da matriz vinham explicar o novo produto a ambos. Durante o expediente normal nas agências, o pessoal júnior atuava como gerente de relacionamento para os clientes. Já os altos consultores ofereciam seus conhecimentos conforme necessário.

Logo após o início das sessões informais dessa comunidade, o pessoal júnior pediu que o banco criasse uma intranet na qual um pudesse ensinar ao outro como vender o novo produto. O banco concordou. Mais tarde, lançou um site parecido para a clientela-alvo, que podia, ali, trocar dicas sobre como economizar (uma de suas grandes dificuldades) e receber sugestões dos consultores juniores.

O novo produto foi o lançamento de maior sucesso (em termos de receitas geradas nos primeiros dois anos) da história da divisão de seguros de vida. Graças à aposta no pessoal menos graduado, nas sessões da comunidade e nos websites, o banco conseguiu reduzir drasticamente o custo de venda do novo produto. As ferramentas de aprendizado na comunidade online derrubaram muito os custos de treinamento. A lealdade de clientes mais jovens aumentou. E, ao criar uma rota para o avanço profissional do pessoal júnior, o novo produto e os processos para sua venda reduziram drasticamente a alta rotatividade dessa turma. Em suma, o processo de cocriação gerou um modelo de custo menor para o banco e uma experiência melhor para todos os envolvidos.

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