quinta-feira, 30 de junho de 2011

MÍRIAM LEITÃO, O GLOBO, 29/06/2011

PÃO DE AÇÚCAR E CARREFOUR
DINHEIRO DO BNDESPAR TAMBÉM É PÚBLICO
A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse que não haverá dinheiro público do BNDES na fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour. Mas ela está enganada, porque dinheiro que sai do BNDESPar é público sim.
Esse braço do BNDES é para comprar e vender ações de mercado, mas o banco tira seu dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), um fundo público e, como vem acontecendo nos últimos anos, de endividamento público. O Tesouro lança títulos, fica endividado. O BNDES, então, empresta esse dinheiro a juros menores que os pagos pelo Tesouro. Parte do custo, portanto, é subsídio.
O BNDESPar entrará como sócio do negócio, não se trata de um empréstimo. O banco comprará capital através do BNDESPar, mas não quer dizer que o dinheiro virá de outro lugar. São recursos públicos.
Outro argumento usado é que esse dinheiro depois retornaria, porque a negociação daria lucro. Mas pode dar ou não, várias outras operações do BNDES deram prejuízo. As ações do JBS Friboi, por exemplo, já baixaram muito.
EMPRESÁRIOS NEGAM, MAS FUSÕES COSTUMAM CAUSAR DEMISSÕES
Sobre a fusão entre Carrefour e o Pão de Açúcar, a ministra Gleisi Hoffmann disse que pelo fato de os recursos saírem de um braço do BNDES, não seria dinheiro público. Essa informação não é verdadeira, a menos que tenham privatizado o banco e ninguém saiba. Qualquer braço do BNDES, como o BNDESPar, é estatal. Portanto, estamos falando de dinheiro público sim.
Ontem, o Senado aprovou mais R$ 55 bilhões para o banco; ou seja, o Tesouro vai se endividar no mercado a preço altíssimo para capitalizar o BNDES.
O governo também argumenta que não haverá demissões e que será bom para o desenvolvimento do país. Mas em todo caso de fusão, os empresários falam que garantirão o emprego, mas sempre demitiram, porque se você tem duas lojas, uma do lado da outra, acaba fechando uma delas para evitar duplicação.
Outra justificativa dada é que será uma oportunidade única de colocar produtos brasileiros lá fora. Essa não é a estrada para aumentar a exportação. A França é um país muito fechado, que subsidia sua produção.
Para o Brasil vender mais, é preciso aumentar a competitividade da economia brasileira, resolver problemas de portos e estradas, por exemplo, não virar um sócio minoritário de um supermercado francês.
ARGUMENTO DO GOVERNO PARA DEFENDER FUSÃO NÃO CONVENCE
O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, disse que o BNDESPar colocaria R$ 4 milhões na companhia formada por Carrefour e Pão de Açúcar porque é um negócio estratégico para internacionalizar uma empresa brasileira, abrir mercado para o país lá fora. Eu discordo dessa ideia. Não é a melhor maneira de entrar no mercado francês ou europeu.
A França é muito protecionista, subsidia a produção local, cria barreiras. O Carrefour está no Brasil há décadas, por que agora, se o BNDES entrar de sócio, teríamos a estrada aberta para a França? Não, as barreiras continuarão lá.
Estratégico é enfrentar problemas graves ao comércio, não colocar o BNDES como sócio de um supermercado. Isso não torna o Brasil mais forte numa economia globalizada.
O negócio já começa com uma sombra, há uma briga entre os sócios privados - o Cassino acusa o Pão de Açúcar de quebra de contrato. Imagine o BNDES entrando num negócio que pode parar na Justiça.
Porque os que construíram a arquitetura financeira não procuraram os bancos privados, por que um banco público? O Estado tem de entrar com a lei de defesa da concorrência para ver se há concentração ou não. Tem de ter uma postura de regulador, não de sócio.
Não consigo achar que será bom para o consumidor, para o contribuinte, para o Estado e para os exportadores. Estes precisam de menos impostos e melhores estradas e portos, não que o BNDES que, ultimamente tem entrado em operações muito discutíveis, tenha parcela de ações num supermercado francês. É um caminho longo demais para dizer que está defendendo a exportação brasileira
ENCRUZILHADA
A ideia é ruim, mas o pior é a justificativa: a de que se o Pão de Açúcar se juntar ao Carrefour, o BNDES deve dar a maior parte do dinheiro — 2 bilhões — porque isso vai internacionalizar grupo brasileiro e abrir mercado para os nossos produtos. Balela. Essa ideia é ruim para o consumidor, para o contribuinte e para a economia do país.
O que é desanimador no Brasil é a dependência que até os novos capitalistas têm do Estado. Eles não dão nenhum passo sem que o governo vá junto, não apenas financiando, mas virando sócio. Um capitalismo sem riscos, ou de lucros privados e prejuízos públicos. Sempre foi assim, mas quando se vê um Eike Batista e um André Esteves, que poderiam ser a renovação dessa velha prática, repetindo os mesmíssimos caminhos que nos levaram a tanto problema no passado, a conclusão é que pelo visto o país vai demorar muito para chegar no verdadeiro capitalismo.
É um disparate completo o BNDES usar o dinheiro de dívida pública ou de fundos públicos para capitalizar uma operação estritamente privada. Ela será boa para o Carrefour, para os Diniz e para o BTG Pactual. Não é verdade que o Pão de Açúcar será internacionalizado e vai virar um grupo global. Ele vai ter um pedaço de um grupo francês, que será vendido no dia em que a família Diniz quiser vender. O Pão de Açúcar vai deixar de existir como empresa independente e será desnacionalizado.
A família Diniz é dona do negócio e faz o que bem entender — e o que as regras concorrenciais do país permitirem — mas que não se venha com nacionalismos de ocasião. A conversa de internacionalização do grupo não convence. O BTG Pactual também pode montar a operação que quiser no mercado. O estranho é por que um grupo que tem condições de captar no mercado internacional precisará que o BNDES entre de sócio e dê até R$ 4,5 bilhões para o negócio.
O grande perdedor será o consumidor brasileiro, que tem enfrentado uma concentração cada vez maior do grande varejo. O número de 27% do mercado brasileiro é enorme em si. Mas pode ser até maior. Está se somando bananas e laranjas. Pequeno varejo de empresas disseminadas pelo interior do Brasil, com o mercado dos grandes supermercados e hipermercados das capitais. Com a lentidão com que o Cade trabalha, no dia em que ele se pronunciar — e ainda mais num negócio que terá como sócio o próprio Estado brasileiro — tudo já estará consolidado.
Nos últimos anos o Tesouro já se endividou em R$ 260 bilhões — incluindo os R$ 30 bilhões deste ano — para financiar o BNDES nas suas operações. E elas fazem cada vez menos sentido. Por que o banco deve fazer seguidas capitalizações, comprar tantas debêntures ou ações do grupo JBS-Friboi, por exemplo? Por que o Estado brasileiro precisa ser sócio de frigorífico? E pior: um frigorífico que diz — como me disse o presidente do Conselho de Administração do JBS-Friboi, Joesley Batista, no dia 28 de abril — que não pode garantir que a carne que comercializa é livre de desmatamento ilegal. A empresa contraria a tendência atual do capitalismo no mundo, que é o de ser responsável por fiscalizar sua cadeia produtiva.
O BNDES justifica o fato de ter “enquadrado para a análise” a possibilidade de entrar na operação Carrefour-Pão de Açúcar com o argumento de que vai abrir mercado para o produto brasileiro. Convenhamos. O produto brasileiro terá mais espaço no mercado internacional se houver mais investimento em logística eficiente, se houver redução do Custo Brasil, e se as empresas tiverem boas práticas.
Para a carne brasileira ter maior penetração no mercados europeu não é necessário que o BNDES seja sócio de supermercado francês, mas sim que o setor cumpra regras de rastreamento sanitário. O mercado internacional precisa ser conquistado com uma redução do custo do transporte dos produtos brasileiros e com boas práticas de certificado de origem, rastreamento, comprovações que o mundo atual tem feito cada vez mais.
Essa operação já nasceu esquisita. O sócio Casino na Companhia Brasileira de Distribuição disse que suspeitava que o Pão de Açúcar estivesse negociando nas suas costas com o Carrefour. O acordo que tem com seus sócios brasileiros impedia a negociação. As suspeitas se confirmaram. E isso é mais uma razão pela qual o banco estatal brasileiro não deveria entrar no negócio.
Mas o mais importante motivo pelo qual não se deve haver dinheiro subsidiado ou de endividamento público no negócio é que ele é ruim para a economia e para o consumidor nacional. O distinto público não tem nada a ganhar com ele. Os neocapitalistas brasileiros deveriam usar toda a criatividade que têm para fazer negócios longe da sombra do Estado. Em vez disso, confirmam a velha dependência crônica. A palavra “carrefour” é ótima para nos lembrar que o país está numa encruzilhada: ou vai continuar fortalecendo o capitalismo estatizado sem risco, que é bom apenas para alguns poucos, que concentra a renda e socializa o prejuízo; ou vai incentivar a competitividade, a inovação, a concorrência e as práticas sustentáveis da nova economia.
EU, HOJE
A meu ver, antes de qualquer coisa, em proposto “negócio”, o que se deve verificar é sua ética. E no caso, a ética é óbvia: é apenas um modo do empresário deixar de cumprir o contrato firmado com o CASINO pra ganhar mais vendendo ao Carrefour. Ilegal, imoral e antiético. Desse modo, no meu modo de ver, repito, não há mais nada a se verificar. Nem a brutal concentração de mercado que geraria, nem o arrocho ainda maior aos fornecedores que promoveria, nem os aumentos de preços aos consumidores que a maior concentração geraria, nem o desemprego em massa que provocaria (estima-se em quase 200.00 o número de empregados de Pão de Açúcar e Carrefour, hoje. Por baixo, ao menos 10% desses “dançariam”). E no mau uso de dinheiro público. Ilegal, imoral e antiético. Não será apoiando estratégia antiética que o país se firmará internacionalmente.

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