sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ANTONIO MACHADO


Nível da produção já está 3% menor que em setembro de 2008, vindo em queda contínua há 19 meses


Três anos depois do colapso de Wall Street, a indústria brasileira nem sequer voltou ao ponto em que se encontrava. Pior: regrediu
3/11/2011 - 02:00 - Antonio Machado


A forte retração da produção industrial em setembro, de 2% sobre agosto e de 1,6% contra igual mês de 2010, conforme o mapa mensal do IBGE, não é um dado do momento, mas parte de um longo processo de declínio da indústria, cujas causas não se restringem ao aperto monetário promovido pelo Banco Central contra a inflação.

O definhamento da produção nacional é um fato real e preocupante, já que não se conhece exemplo de país populoso e com pobreza ainda relevante que tenha se desenvolvido sem indústria diversificada.

É ela que puxa o conjunto da economia, mesmo nos EUA, apesar de diminuir a participação do emprego industrial no conjunto da mão-de-obra empregada, além de ter perdido competitividade e fábricas para países com custo baixo e regras sociais e ambientais frouxas.

Mergulhadas em crise, no entanto, é a ela que as elites políticas e o capital dos EUA recorrem, já estando em curso um renascimento industrial, acompanhado da volta de fábricas levadas para a Ásia. O estudo “Made in America Again”, do Boston Consulting Group, é um bom ponto de partida para entender o que está acontecendo.

Na Ásia, até pela expansão econômica das últimas décadas, começou uma tendência de valorização salarial, enquanto nos EUA a renda do emprego desabou, sendo compensada pelo endividamento das famílias – a causa estrutural da crise que abate a sociedade americana.

Esta síntese se faz necessária para que se entenda a consequência do que se observa no Brasil. A desaceleração da indústria não é um evento recente. A redução do ritmo de crescimento da produção está em processo há 19 meses, período durante o qual o BC cortou a taxa de juros básica para 8,75%, a menor na história recente, e soltou o crédito ao consumo. O gasto público cresceu, houve desoneração de tributos para carros, caminhões, eletrodomésticos, materiais de construção, entre 2009 e 2010, e o BNDES pisou firme no acelerador do financiamento de longo prazo – o insumo para investimentos.

Pelo que se constata, o alivio do ônus tributário incidente sobre a indústria deveria ter sido permanente, não anticíclico, contra a recessão em 2009, e transferido do consumo para a produção uma vez superada a onda recessiva que chegara como tsunami, não marolinha.

Três anos de leniência

Se o câmbio segue valorizado, passado o soluço das quatro últimas semanas, e essa é a tendência, só com grande alívio permanente e geral, não tópico, a indústria poderá enfrentar a concorrência das importações - ainda mais pela enorme capacidade ociosa criada pela crise nos EUA, Europa, Japão e China, que concentram mais de 80% da produção de manufaturados no mundo. Aqui, imperou a leniência.

Em base trimestral, a produção industrial abriu o ano crescendo 1,3% em relação ao 4º trimestre de 2010, já desacelerando sobre o ritmo anterior, e desde então só tem feito cair: recuou 0,6% no 2º trimestre e 0,8% no 3º. Pelo indicador antecedente da consultoria LCA, para outubro a melhor aposta é estabilidade, o que sinaliza uma retração interanual de 1,5% à véspera do Natal. Um espanto!

Regressão a céu aberto

Esse desempenho, como destaca o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), caracteriza a evolução de todos os grandes setores industriais. Ninguém está bem – afora a indústria dos complexos do agronegócio e da mineração, que empregam pouco.

Tais resultados deverão implicar a queda do crescimento do setor industrial, este ano, para menos que 1,5% - “desempenho sofrível”, segundo o Iedi, frente ao avanço de 10,5% em 2010, que já não fora nada excepcional por se comparar ao fraco ano de 2009. Nas contas do Bradesco, a produção industrial deverá encerrar o ano com alta de pífio 1,3% sobre 2010. A projeção da LCA é menor: cerca de 1%.

Uma política madrasta

O definhamento da indústria está dado, não é um resultado sujeito a comprovação. O nível da produção em setembro já é 3% menor que o anotado em setembro de 2008, segundo o Iedi. Exatamente três anos depois do colapso de Wall Street, a indústria nem sequer voltou ao ponto em se encontrava. Pior: regrediu. O risco são as reações.

Técnicos do governo já cogitam medidas para incentivar consumo, o que, com a demanda ainda forte, deverá implicar mais importações e dificultar a convergência da inflação à meta, já que boa parte das pressões de preços está em serviços.

De imediato, só o câmbio pode surtir algum efeito, mas à custa de inflação até da indústria. Ela hoje opera, em média, com 25% de insumos e componentes importados.

Fato é que a política econômica, para a indústria, é madrasta. E pouco pode fazer, sem baixar impostos e juros. O país ficou caro.

Como doença invisível

Ou a indústria e o trabalhador pegam na unha a agenda da expansão industrial ou a tendência continuará de lenta decadência, como uma doença invisível, que se só se percebe em estágio avançado.

Olha-se para o setor industrial e parece tudo bem: novas fábricas são anunciadas e o emprego industrial está firme. Graças às commodities, a balança comercial é superavitária e as exportações batem recordes.

Só que bens primários explicam 60% das exportações, o déficit/ano da indústria ronda os US$ 50 bilhões, e há forte desnacionalização de processos e cadeias produtivas, para baixar custo, e automação, que desemprega. Não é bem fabrica, mas maquiladora, sem potencial para exportar. Essa é a desindustrialização que diminui o país.

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